A normatização da vaga de garagem em condomínio
Discussão a respeito da possibilidade ou não da penhorabilidade das vagas de garagens dos condomínios edilícios com a finalidade de garantir o recebimento do crédito pelo credor.
Devido a atual situação econômica da maioria dos brasileiros, houve um aumento expressivo de inadimplência e, por consequência, o número de execuções de valores, sejam aquelas derivadas de títulos extrajudiciais, assim como judiciais, vêm aumentando a cada dia.
Dentro deste quadro foi retomada a discussão acerca da possibilidade ou não da penhorabilidade das vagas de garagens dos condomínios edilícios, a fim de garantir o recebimento do crédito pelo credor.
Até o ano de 2010, inúmeras discussões foram travadas, apresentando-se como o principal fundamento a Lei n. 8.009/90, a qual regula o bem de família. A Lei busca a proteção do imóvel destinado à única moradia, ou seja, aquele destinado à residência fixa, abrangendo pessoas solteiras, casais e entidades familiares.
Tendo em vista que a vaga de garagem seria assessória ao apartamento e, por conta da massiva "o acessório segue o principal", e em sendo o apartamento bem de família, tal atribuição recairia sobre a vaga de garagem, atrelado ao fato do disposto no §§ 1º e 2º do artigo 2º da Lei n. 4.591/64, o qual leciona que a vaga de garagem se vincula à unidade habitacional e é intransferível à pessoa não condômina, motivo pelo qual a vaga se tornaria impenhorável, eis que indissociável.
Diante da quantidade de julgados sobre o mesmo assunto, o Superior Tribunal de Justiça (STF), em 21/06/2010, proferiu o entendimento de que a vaga de garagem, sendo ela direito de propriedade de natureza autônoma (com matrícula própria), é passível de alienação, motivo pelo qual, em sendo objeto alienável é totalmente penhorável, perdendo então o caráter de vinculação com a unidade habitacional. Desta forma, foi editada a Súmula n. 449, cujo teor é:
"A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora."
Referida súmula é clara no sentido de que apenas torna-se penhorável a vaga de garagem com matrícula individualizada, ou seja, aquela que não possui vinculação à unidade habitacional. Melhor dizendo, aquela que possui fração ideal de solo distinta da fração na qual se edificou o apartamento, conforme preceitos do § 3º do artigo 1.331 do Código Civil.
Pois bem. No ano de 2012, fora incluído o § 1º ao artigo 1.331 do Código Civil, o qual estipula, expressamente, que os abrigos para veículos não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, sem autorização expressa na convenção de condomínio.
Desta feita, o artigo de Lei Federal foi contra a súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça, ocasionando enorme insegurança jurídica, cabendo, então, novamente, a jurisprudência, doutrina e as convenções de condomínios dirimirem a problemática.
As convenções condominiais podem ser um grande instrumento na batalha jurídica, eis que tal normativa faz lei entre a coletividade de condôminos e pode suprir a lacuna existente em nosso ordenamento, uma vez que a convenção deve ser sempre analisada em conjunto com as leis federais e demais esparsas. Tanto é que há entendimento afastando a penhora sobre a vaga, com base na convenção condominial, a qual proibiu a alienação a terceiro.
Não obstante, a jurisprudência também se posiciona no sentido de que, por mais que a convenção proíba a alienação da vaga de garagem para terceiro estranho, isto per si, não torna o imóvel impenhorável, devendo ser concedido o direito de preferência aos condôminos, justiçando-se, portanto, a penhora sobre o box de garagem.
O direito de preferência possui regulamentação pelo artigo 1.338 do Código Civil, bem como, já foi objeto de análise pela IV Jornada de Direito Civil, sendo editado o enunciado n. 320:
"O direito de preferência de que trata o art. 1338 deve ser assegurado não apenas em caso de locação, mas também na hipótese de venda da garagem".
Contudo, a jurisprudência ainda não se firmou. Porém, tende a manter o entendimento já externado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa de recentes julgados, os quais vêm interpretando o § 1º do artigo 1.331 do Código Civil no sentido de que o mesmo não delega à convenção de condomínio quanto à penhorabilidade ou não dos espaços para veículos, principalmente quando a vaga de garagem possui matrícula própria no registro de imóveis.
A única exceção, da qual não existe nenhuma divergência é, quanto a dívida de taxas de condomínio e/ou imposto predial (IPTU), eis que tanto o apartamento como a vaga de garagem irão garantir tais débitos, por conta da sua natureza jurídica propter rem, diante do expressamente disposto no artigo 3º, inciso IV, da Lei. 8.009/90 e de acordo com a atual sistemática do Novo Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de execução direta das taxas e constrição do imóvel em caso de não pagamento no prazo legal.
Portanto, podemos concluir que a presente questão não é estável na jurisprudência (ressalvada a exceção), em razão de disposições legais antagônicas entre si. Tende a permanecer o entendimento já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual pode encontrar obstes na prática, o que deve ser levado em consideração, uma vez que de nada adianta uma tutela jurisdicional passível de menor efetividade no mundo dos fatos.
Fotos: por (ordem de aparição) Craig Sunter (Flickr) e MundoAdvogados.com.br