Usucapião e os direitos das mulheres face ao programa Minha Casa Minha Vida
O artigo discorre sobre o direito à moradia, o programa Minha Casa Minha Vida e os direitos da mulher no processo.
O direito à moradia se tornou um direito universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como fundamental para a vida das pessoas a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e ratificado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No Brasil nas últimas décadas, diante do crescimento populacional e urbano desproporcionais ao número de moradias construídas, o Governo Federal cria políticas para concretizar o direito fundamental à moradia.
Diante deste enorme desafio na estruturação de políticas habitacionais, o Governo Federal lançou o Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 11.977, de 07 de julho 2009, criado para construir unidades habitacionais ou reformar imóveis.
O beneficiário do Programa Minha Casa Minha Vida é o grupo familiar, definido como unidade nuclear composto por um ou mais indivíduos. Podem ser beneficiadas pelo programa a família unipessoal (como pessoas solteiras ou viúvas), a família matrimonial (proveniente do casamento) ou a família informal (união estável), todas com ou sem filhos.
Em 08 de março de 2012, a Presidenta Dilma Rousseff adotou a Medida Provisória 561, publicada no Diário Oficial da União, que entre outras disposições, acrescentou o artigo 35-A à Lei nº 11.977, de 07 de julho 2009 (PMCMV).
Portanto, o referido artigo dispõe que a propriedade de imóvel adquirido na constância de casamento ou união estável, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, será registrada em nome da mulher ou a ela transferida em caso de dissolução da união estável, separação ou divórcio, excluindo-se os casos que envolvessem recursos do FGTS.
Observa-se que o imóvel é transferido ao marido ou companheiro, ou registrado em seu nome, quando a guarda dos filhos do casal for atribuída exclusivamente a ele.
Inicialmente cumpre destacar a importância dos direitos conquistados pela mulher notadamente a partir do século passado, através das modificações ocorridas nos diplomas legais. Historicamente, no caso da família, o modelo foi predominantemente patriarcal, onde mulher e filhos sempre estiveram submissos ao homem.
A mulher conseguiu seu espaço na sociedade como cidadã, conquistando a formalização da igualdade de condições com o homem, após lutas em busca de sua emancipação.
Entretanto, a inclusão do artigo 35-A na lei 11.977 de 2009, confrontam os princípios consagrados na Constituição Federal de 1988, quais sejam, o Princípio da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.
Nesse contexto, podemos traçar um panorama geral da concepção do direito à moradia como um direito fundamental e social, analisar as políticas empregadas ao longo das últimas décadas para fazer cumprir esse direito, bem como demonstrar que as recentes alterações instituídas confrontam os preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
O artigo 1.240-A do Código Civil de 2002 trouxe a usucapião familiar, a qual é caracterizada sobre a cota-parte do imóvel na qual o companheiro ou cônjuge que abandonar o lar sofrerá a perda de sua cota, não sendo proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural e que permaneça durante o prazo de dois anos ininterruptos na posse mansa e pacífica do bem sem que haja um litígio com aquele cônjuge ou companheiro que saiu do lar.
Apesar de entendimentos de que a Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação em função do sexo e, a permissão de que o ex-marido ou ex-companheiro mantenha o título da propriedade do imóvel apenas quando a guarda dos filhos seja atribuída exclusivamente a ele poderá ser meio de cercear direitos constitucionalmente garantidos.
Por outro lado se observa a dificuldade de um cônjuge com guarda dos filhos obter meios e garantias para possuir um imóvel, o que também não estará em consonância com a Constituição quanto a proteção a família.
Portanto, a entrega de imóvel do Programa Minha Casa Minha Vida a apenas um dos cônjuges, sendo que na maioria dos casos o bem passa para o nome da mulher, ou aquele que tenha a guarda dos filhos é meio de viável concomitantemente com o uso de usucapião familiar previsto no artigo 1.240-A do Código Civil.
Foto: por Prefeitura Municipal Itanhaém (Flickr)