Agências reguladoras e sua autonomia
Breves lições sobre a figura das agências reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro e a reforma pela qual passaram.
Como sabemos, o direito administrativo é o ramo do direito que tem como objeto o ponto de reunião das normas e princípios que orientam a Administração Pública. Já esta engloba todas as atividades realizadas pelo estado com vistas a tornar concreto o interesse público.
Nesse contexto, sempre se discutiu tanto no Brasil quanto nos demais países, quais as melhores estruturas de organização que deveriam e poderiam ser adotadas pelos aparelhos de Estado para que fossem o mais eficiente possível, combatendo adversários clássicos como a burocracia, por exemplo.
Essa discussão teve grande relevância em nosso país nos anos 90, período em que a onda do pensamento neoliberal nos atingiu e resultou numa proposta de reforma do aparelho de estado brasileiro, objetivando a implantação de um modelo gerencial de gestão pública.
A partir desse modelo, o princípio da descentralização no âmbito da prestação dos serviços públicos foi valorizado, visando facilitar sua execução e atender às necessidades do cidadão, agora entendido também como "consumidor".
A referida descentralização, no entanto, não se dava apenas com a criação de novas autarquias, mas sim com a transferência pelo Estado do dever de prestar um serviço público para terceiros estranhos à estrutura da administração.
A soma de alguns fatores como a flexibilização de monopólios estatais e a redução de barreiras à entrada de capital estrangeiro no país atraíram bastante o interesse da iniciativa privada em assumir a prestação de tais serviços.
Porém, por serem estes serviços essenciais ao bem comum e, portanto, responsabilidade última do Estado, o modelo de regulação brasileiro foi modificado para atender à criação das agências reguladoras independentes, com o papel de regular a prestação de serviço público concedida a terceiros buscando garantir a qualidade do serviço e o preço justo.
As primeiras agências reguladoras criadas no Brasil foram a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), todas referentes a atividades até então exercidas como monopólio estatal, e a partir de então concedidas também à iniciativa privada.
Para garantir que as agências reguladoras pudessem exercer adequadamente suas funções, a lei traduziu sua independência em quatro esferas de autonomia, são elas: política, financeira, normativa e de gestão.
Tendo em vista que o maior bem jurídico sob tutela das agências é o interesse público, observamos que a atuação da agência não poderia estar sujeita às constantes intempéries políticas, de modo que falamos em autonomia política na medida em que seus dirigentes possuem mandato fixo e que não devem coincidir entre si.
Fala-se em autonomia financeira ao garantir à agência a possibilidade de captação de receita própria que ocorre através da cobrança de taxa de regulação ao concessionário diretamente. Vale mencionar que tais taxas tem relação direta com o proveito financeiro obtido com a concessão.
Se diz que as agências são dotadas de grande autonomia normativa pela ampla competência que possuem para editar normas gerais e abstratas em relação aos setores regulados. Por fim, a autonomia de gestão garantida às agências é ilustrada dentre outras pela isenção às regras salariais do setor público, pela possibilidade de possuir orçamento próprio e etc.
No entanto, em que pese a agência reguladora independente, institucionalizada por meio da figura da autarquia especial, seja detentora de autonomia política, financeira, normativa e de gestão, em virtude do princípio da jurisdição una adotado no Brasil, elas permanecem sujeitas ao crivo do Poder Judiciário, uma vez que é resguardado o direito de provocá-lo a todo aquele que tiver seu direito lesionado ou ameaçado de sofrer lesão.
Foto: por Joana Rangel (Flickr)