Quando a justiça é feita com as próprias mãos

Em três meses, 20 casos de linchamento tiveram repercussão nacional, abrindo discussão sobre como a sociedade vem agindo frente à Justiça brasileira. É legítimo fazê-la com as próprias mãos?

10 JUN 2014 · Leitura: min.
Quando a justiça é feita com as próprias mãos
Em três meses 20 casos de linchamentos tiveram repercussão nacional, abrindo discussão sobre como a sociedade está agindo frente à Justiça brasileira. Esses não foram os únicos casos que aconteceram no início deste ano, pois, como não são considerados uma classe de delito penal, não há um cálculo real de incidências. Estima-se que acontece mais de uma tentativa de linchamento por dia no Brasil, um relevante aumento se partimos do ponto de que, há três anos, esse número não ultrapassava quatro tentativas por semana.

Essses são dados levantados pelo sociólogo José de Souza Martins, especialista no tema e que vem realizando uma profunda investigação sobre o assunto. Uma de suas conclusões aponta que o Brasil é o país onde mais acontecem atos de espancamentos coletivos no mundo. Mas a que se deve essa crescente onda de se fazer justiça com as próprias mãos?

O fato de a população estar tomando para si a responsabilidade do Estado de prover a segurança é uma das razões consideradas, penalizando com a humilhação pública os crimes de rua. Outro incentivo que pode ser mencionado é a forte difusão desses casos pela mídia, trazendo à tona o fenômeno "copycat", ou seja, a propensão que têm os indivíduos de realizar um determinado ato num impulso de reprodrução. Imita-se um comportamento que já foi executado anteriormente e que obteve sucesso.

Os linchamentos aconteceriam fundamentalmente como meio de defesa frente a um aumento da violência. A população recorreria também a esse artifício para condenar reais (ou muitas vezes supostos) casos de furto, sequestro, estupro e abuso de menores.

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Justiceiros e suas "barbáries"

Anteriormente concentrados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, os linchamentos vem se espalhando por todo o país e com um forte aumento de incidências. Descrente das instituições de segurança do país, as pessoas envolvidas partem para ação por não querer mais esperar pela Justiça, julgando os crimes de rua à maneira que consideram mais eficientes. Coincidência ou não, essa onda de espancamentos subiu consideravelmente após a difusão pela mídia e redes sociais do linchamento de um adolescente no Rio de Janeiro no início desse ano.

Essa sede por justiça não tem como fim apenas a humilhação pública e o espancamento. Muitos dos agredidos são gravemente feridos e chegam a falecer. Uma dessas vítimas foi Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, confundida com uma sequestradora de crianças. Um retrato falado publicado em uma rede social fez com que a população relacionasse Fabiane aos sequestros.

Ela foi espancada e faleceu devido a um traumatismo craniano. Os agressores que foram identificados nesse ato coletivo seriam indiciados. O autor da página na Internet onde estava publicado o retrato falado prestou depoimento, dizendo que a postagem tratava de uma investigação policial sobre sequestros, mas que a veracidade das informações ainda não estava comprovada.

Dificuldades de atuação

Conforme visto no caso de Fabiane e de outras vítimas, com o advento da Internet, pessoas inocentes correm o risco de serem confundidas com reais criminosos. No universo digital, onde as pessoas tem liberdade e expressão, boatos podem ser rapidamente difundidos e não há uma frontera visível que os separe de uma tragédia, que provoque a destruição da vida de toda uma família.

Vale ressaltar que os advogados também se deparam com grandes dificuldades em atuar nesses casos. Segundo José de Souza Martins, raramente a polícia consegue incriminar os agressores, pois a identificação dos mesmos é muito difícil. Outro fator que limitaria a atuação seria o próprio Código Penal, que dispõe de alguns atenuantes que normalmente se aplicam a esses casos, por se tratarem de atos que acontecem sob a influência de multidão, por erro sobre a pessoa ou ainda classificados como homicídio privilegiado.

Foto (ordem de aparição): Vox Efx e karindalziel (Flickr)
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1 Comentários
  • Luciane Nascente Medeiros

    O delito sempre será considerado um crime. A sociedade como um todo está insatisfeita com a questão da impunidade, bem como com a ausência de segurança pública. Por esta razão, ocorreram os referidos crimes de lesão corporal, bem como tentativa de homicídio, por parte dos civis. O que não excluiu a punibilidade, ou seja, os motivos não podem justificar a violência. O "Poder de Punir" pertence ao Estado, não à sociedade, a qual está assumindo a conduta de julgador. Temos o processo criminal, do qual tem suas fases; inicia-se com a denúncia. A agressão, ainda que seja pela alegação de "justiça", não justifica a brutalidade, especialmente considerando que poderá ser cometida outra injustiça, se agredida pessoa diversa ou confundida com o agressor. Faltam políticas públicas. Se a Justiça for mais ágil, no sentido de bem desempenhar suas funções, certamente a sociedade deixará de assumir o papel de "Julgador".

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