Permanência na profissão e a aposentadoria especial
Aeronautas podem continuar na função após a concessão da aposentadoria especial?
Esta é uma pergunta que muitos clientes pilotos de avião comercial me fazem. Não só os pilotos, mas como todos aqueles que pretendem e têm direito a aposentadoria especial, tais como os comissários de voo, mecânicos de aeronave, etc.
Atualmente eu respondo de forma convicta que SIM. Poderão continuar voando.
Importante esclarecer a origem desta dúvida que a todos permeia. O art. 57, §8º da Lei 8.213/91 traz o dispositivo que prevê o afastamento do aposentado das funções que originaram a concessão da aposentadoria especial. Este é o fundamento trazido na lei que gera a dúvida cruel.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem o entendimento de que o referido dispositivo deve ser aplicado. Contudo, devemos analisar com cautela a previsão trazida pelo artigo diante de toda a legislação brasileira, principalmente diante dos direitos e princípios constitucionais, a fim de interpretarmos corretamente.
Ao analisarmos os princípios e direitos constitucionais encontramos no art. 5º, XIII da Constituição Federal de 1988 (CF/88) o direito ao livre exercício do trabalho, conforme se observa abaixo:
"XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;".
Referido dispositivo trata de garantia individual fundamental do cidadão (espécie de direitos trazidos pelo art. 5º da CF/88). Percebemos que a única limitação ao direito ao livre exercício do trabalho encontra-se nas qualificações que a lei estabelecer, como no caso dos advogados que devem ter a carteira da OAB ou no caso dos médicos que devem ter a carteira do CRM, ou ainda no caso dos próprios aeronautas que devem ter certificado de habilitação emitido pelo ANAC, entre outros.
O argumento contrário a este entendimento trazido acima, que é aquele defendido pelo INSS, no sentido de justificar o afastamento do emprego que determinou a concessão da aposentadoria especial, encontra respaldo no art. 7º, XXII da Constituição Federal, que prevê o direito à proteção e saúde do trabalhador.
Entretanto, tal entendimento não deve ser aceito. O art. 57, § 8º, que traz a necessidade de afastamento, não protege a saúde do trabalhador, caso contrário determinaria que a partir dos 25 anos de atividades trabalhadas, expostas a agentes nocivos prejudiciais à saúde, fosse imperioso o afastamento do trabalhador, contudo não é o que ocorre. A referida lei simplesmente proíbe o recebimento da aposentadoria simultaneamente com o benefício da aposentadoria especial.
Portanto, temos que o verdadeiro caráter da norma tem natureza fiscal e econômica, mas não de proteção à saúde do trabalhador. Referida norma não impede que o trabalhador possa continuar trabalhando em situação prejudicial à sua saúde, mas apenas impede o recebimento da aposentadoria simultaneamente ao trabalho.
Diante do caráter meramente fiscal e econômico da lei o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em decisão através do seu pleno decidiu (em 2012) que o art. 57, § 8º da Lei 8.213/91 devesse ser declarado inconstitucional. Destaco abaixo um trecho da referida decisão para ilustrar o entendimento do TRF4:
"(…) 3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a Constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.4. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que, aposentando-se sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional. (…)6. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91.".[1]
[1] Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000 – Corte Especial – maioria – j. 24.05.2012 – Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira.
Embora as decisões judiciais estejam favorecendo o trabalhador que busca pela aposentadoria especial e que pretende continuar o seu ofício, o INSS conseguiu levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) um recurso, recebido com repercussão geral através do Tema 709. Assim, referida discussão sobre a possibilidade ou não de continuidade na função está mais perto do fim. O referido Tema 709 está no STF desde janeiro de 2014, sendo que as decisões no STF levam em torno de 07 anos em média para serem julgadas. Portanto, talvez mais 03 anos ainda demore até que uma decisão definitiva possa vir a ser tomada.
CONCLUSÃO:
Em síntese, posso afirmar que é possível ao aeronauta, seja ele piloto, comissário de voo ou mecânico de aeronave, usufruir do seu direito à aposentadoria especial, assim que completar os 25 anos de atividades especiais, através das decisões da justiça que têm concedido o direito ao recebimento da aposentadoria especial simultaneamente com o exercício da função.
Quanto aos valores que ao longo do tempo de duração do processo judicial vão se acumulando, tais valores também têm sido garantidos aos pilotos, comissários e mecânicos que postulam a aposentadoria especial. São valores altos e consideráveis, além de ser um direito do trabalhador, que não devem ser desprezados.
A tendência é de termos uma decisão favorável no STF em relação ao tema 709, pois os argumentos são consistentes neste sentido, contudo, sobrevindo uma decisão desfavorável, o aeronauta deverá decidir se permanecerá na função ou não, sendo, independentemente da decisão tomada, garantido os valores acumulados ao longo do processo.
Dica: veja uma alternativa para a aposentadoria especial que traz o mesmo benefício da aposentadoria especial (isto é, a integralidade do valor da aposentadoria), sem ter a necessidade de afastamento da função.