Responsabilidade civil por abandono afetivo
O presente artigo, visa discutir acerca da possibilidade de responsabilidade civil por abandono afetivo. Veja o que diz a Constituição sobre o tema.
O Direito de Família contemporâneo encontra respaldo na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, passando por relevantes transformações nos últimos anos.
Durante algum tempo, os doutrinadores da seara do direito civil discutiram acerca da possibilidade de se pleitear indenização referente a danos morais por abandono afetivo. Destaca-se que a maioria dos doutrinadores se posicionaram contra esta possibilidade.
O Superior Tribunal de Justiça em abril do presente ano trouxe um novo posicionamento acerca da responsabilidade civil nas relações afetivas, quando através do Recurso Especial de número 1.159.242/SP, que teve como relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgado no dia 24/04/12, onde foi confirmada a possibilidade de se pleitear indenização monetária para compensação por danos morais decorrentes do abandono afetivo.
Da ementa do julgado se extrai que:
- Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
- O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CRFB/88.
- Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, surgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
- Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
- A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
- A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada, para a formação do menor e do adolescente; ganha o debate contornos mais técnicos, pois não se discute mais a mensuração do intangível – o amor – mas, sim, a verificação do cumprimento, descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar". Aduz que "negar ao cuidado o status de obrigação legal importa na vulneração da membrana constitucional de proteção ao menor e adolescente, cristalizada, na parte final do dispositivo citado: "(...) além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência (...)".
Quando se trata de responsabilidade civil na seara do Direito de Família, é importante salientar a necessidade de demonstração da culpa. Isto decorre do fato da sobredita responsabilidade ser subjetiva, o que faz com que não exista dever de indenizar se não caracterizada uma ação ou omissão dolosa ou culposa.
Assim, a Constituição Federal vigente (art. 227), atribuiu expressamente à família, à sociedade e ao Estado o dever de proteger de modo especial a família, assegurando à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessa forma, desde a ocasião em que o pai participa da concepção de um filho, ele assume, senão moralmente, mas juridicamente, o dever de educá-lo, respeitá-lo e contribuir para a sua formação moral. Isto porque, tanto determina essa postura o Código Civil (art. 1634, I e II), a Constituição Federal (art. 229), como também o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 16, V e VII; art. 19; art. 21 etc.).
Portanto, após o posicionamento do STJ, nos casos de ocorrência do abandono afetivo, quando os genitores deixarem (ato omissivo) de cumprir os deveres a eles inerentes nos ordenamentos legais supracitados, poderão ser condenados ao pagamento de indenização, com o fundamento nas seguintes previsões legais: Art. 5º, V e X da Constituição Federal, art. 186 e 927 do Código Civil.
Caberá ao julgador analisar o caso concreto, com a possibilidade de sustentação pelo demandado de excludentes de ilicitude, como: alienação parental, limitações financeiras e geográficas. Apesar do ato ilícito, ora discutido ter recebido o nome de "abandono afetivo" revela-se, na verdade, abandono moral de incapaz, neste caso, do filho, sujeito dependente de apoio de seus genitores para uma formação saudável.
Ora a nomenclatura "abandono afetivo" leva a crer que se trata de falta de afeto, amor e carinho, porém analisando o posicionamento da Ministra Nancy Andrighi, resta claramente demonstrado que a intenção não foi responsabilizar o genitor por falta de afeto (demonstração de carinho), e sim pelo descumprimento dos deveres de pai a ele imposto em decorrência da Lei.
Portanto, no caso levado ao crivo do STJ, restou comprovada a conduta culposa do genitor, pois apesar de possuir todas as condições financeiras, físicas e geográficas para o cumprimento de seu dever de pai, não o fez, deixando assim de acompanhar o desenvolvimento de sua filha, sendo sua situação ainda mais agravada por ter a filha, conseguido comprovar a existência dos danos psicológicos, financeiros e morais, tendo ainda comprovado a diferença de tratamento entre ela e os filhos do segundo casamento de seu genitor.
Conclui-se, desta forma, que o julgamento demonstra mais um avanço no direito de família, do qual anteriormente entendia que a perda do poder familiar era a maior forma de punição para o pai omisso, o que na verdade era uma premiação ao causador do dano por abandono afetivo.
Entende-se que o novo posicionamento consiste na imposição de sanção pelo descumprimento das obrigações paternas, haja vista que o direito não trata propriamente dos sentimentos, mas das consequências decorrentes.
Não cabe ao Estado obrigar os genitores a amarem seus filhos, porém compete responsabilizá-los pelos seus atos omissivos, prevendo além das penalidades já existentes a possibilidade de fixação de indenizações pecuniárias aos pais que descumprirem os seus deveres.
Foto: por tamckile (Flickr)