Reconhecimento de paternidade pelo afeto
É tradicional que os pais sejam aqueles que o são por motivos biológicos. Porém, o direito evoluiu e há o reconhecimento de paternidade pelo afeto, ou seja, por razões diversas das naturais.
A paternidade é o elo de ligação entre os pais e filhos. O vínculo jurídico familiar esta baseado nesta relação, tendo consequências patrimoniais e afetivas. O relacionamento esta permeado de características especiais para ambas as partes, tanto os pais quanto os filhos.
A maternidade pode ser vista sobre a mesma ótica, com as mesmas peculiaridades nas consequências jurídicas. É claro que possui suas características únicas, mas tem os mesmos conceitos basilares. O diferencial é o sexo do progenitor, masculino ou feminino.
O parentesco pode vir por duas origens, tem-se o consanguíneo e o civil. O primeiro advêm de relação com vínculo genético ou natural, o filho de sangue. O segundo advêm como resultado de vínculo jurídico caracterizado quando ocorre a adoção, inseminação artificial e parentesco socioafetivo.
Dizer popularmente que alguém é filho de outra pessoa sem o vínculo sanguíneo pode parecer contradição, ainda mais quando visto sem um cunho jurídico. Quando se fala em paternidade subentende-se o fator genético, ainda mais num enfoque popular. Não é razoável entender que alguém é filho de outrem sem o ser naturalmente. A adoção é algo que queda contra dito entendimento, mas, neste caso especial, há quem diga que o pai não o é de fato.
O parentesco socioafetivo leva em conta, sobretudo, o aspecto social. Ele é caracterizado quando não há o vínculo sanguíneo, assim baseia-se em relação afetiva. O comportamento é de suma importância na sua consecução, haja vista que o relacionamento entre os pais e filhos é o que pauta a sua concretização. Vê-se seu aspecto objetivo, a visão na sociedade, principalmente, não deixando de ter relevância o aspecto subjetivo, o conceito entre os afetados.
A evolução do direito trouxe à tona um entendimento moderno e evoluído. A visão do direito como vivo, as leis não conseguem acompanhar os clamores da sociedade, queda contra a estática dos textos legais. É necessário um entendimento que consubstancia o quadro verdadeiro do cotidiano para perfazer a eficácia do quadro normativo. A estática do texto deve ser rompida por uma interpretação que modula os códigos a vivência da sociedade.
O conceito de família, com um aspecto público e duradouro, é crucial, pois enquadra-se no aspecto basilar do instituto. A aparência social é objeto primordial. Vê-se quanto aos pais de criação.
Juízes tem reconhecido a sua existência, o que demonstra a realidade substancial do dito reconhecimento de filiação sob o novo enfoque, qual seja, a afetividade. Não é mero entendimento, já é visto nos tribunais. O parentesco biológico e o parentesco socioafetivo são autônomos, são independentes e não dependem um do outro. Tem-se um sem a necessidade da ocorrência do outro, são individuais, por si só.
A condição paritária entre os filhos, seja qual for a origem, é característica da filiação. Quanto o aspecto patrimonial, qualquer dos descendentes tem os mesmos direitos, o que acaba com o conceito de filhos bastardos. A lei não faz mas diferenciação entre filhos havidos ou não da relação de casamento, mesmo sendo legítimos ou não. Não há mais diferenciação.
Esta é a inteligência do art. 1.596, CC, ipsis litteris: "Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação." Assim também é o art. 227, § 6º, da CF: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".
O resultado do DNA não afeta o reconhecimento do parentesco socioafetivo. Sendo negativo, pode haver o reconhecimento da filiação, pois não é baseada em vínculo sanguíneo. Assim, mesmo que esteja comprovado que não é o progenitor, sobretudo sobre o aspecto genético, pode-se verificar a filiação socioafetiva (REsp1.059.214). Vê-se que o STJ perfez entendimento que parecia contraditório, ser pai sem o ser.
Como entender o novo aspecto de filiação?
A afetividade é princípio maior que a genética quando sopesados os ditos princípios. A ponderação queda quanto ao entendimento anteriormente prevalente, a paternidade só pelo vínculo natural. O afeto é o bem jurídico maior a ser tutelado nos casos em questão, sobrepondo-se o interesse maior em questão o do menor.
A origem de seu reconhecimento esta no art. 1.593, do CC, in verbis: "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem". O parentesco não é pura e exclusivamente por genética, pode vir de outras razões, como a em foque.
Os conceitos de "respeito e consideração mútuo", art. 1.566, V, do CC, e "lealdade e respeito", art. 1.724, do CC, estão presentes na legislação civil, deste modo o afeto e tolerância estão sendo amplamente reconhecidos.
A adoção a brasileira é um dos fatos que demonstram o parentesco socioafetivo. Esta ocorre quando um pai, sabendo que não é o pai biológico, registra o filho. É fato que consubstancia o instituto em foque visto que tem todos os pormenores para sua caracterização.
O REsp 709.608 assevera o entendimento que o assento no registro não tem o condão de dissimular o parentesco socioafetivo. Apesar do art. 1.604, do CC, pode-se averbar a retificação do registro com base no entendimento dos arts. 1.609 e 1.610, do CC. São fatos que caracterizam as exceções do dito artigo e permitem a retificação do registro.
O REsp 932.692 e o REsp 1.067.438 dizem que o reconhecimento de parentesco socioafetivo pode dar-se em contraste com o parentesco biológico, sobretudo para atender o interesse maior, que é o da criança.
O REsp 1.088.157 diz que a adoção à brasileira também pode ser caso de parentesco socioafetivo e, em caso de seu reconhecimento, não há que se desfazer o registro. O vínculo com base no afeto se sobreleva.
Carlos Roberto Gonçalves, ao citar entendimento do STJ, diz que o parentesco socioafetivo deve prevalecer quando atendido o requisito temporal em sobreposição ao vínculo biológico. A permanência do título de pai, com o decorrer o tempo, deve se manter apesar de exame de DNA negativo.
O reconhecimento de paternidade deve ser visto sobre vários aspectos. Esta superado o entendimento de que pai é somente o biológico. A relação afetiva também pode ser base para o reconhecimento de filiação e é fator que pode ser crucial para a dita caracterização. A doutrina e jurisprudência evoluíram atendendo os clamores da sociedade sobre o enfoque de um direito evolutivo.
Foto: por Giuseppe Milo (Flickr)